18 April 2008 07:00
Decio Pignatari
Décio Pignatari
(Jundiaí SP 1927)
Publicou, em 1949, os poemas Noviciado e Unha e Carne na Revista Brasileira de Poesia. Na época, integrava o Clube de Poesia, em São Paulo SP, liderado por poetas e críticos da Geração de 45. Em 1952 fundou o Grupo Noigandres, com Augusto de Campos e Haroldo de Campos, que publicou cinco antologias poéticas. Entre 1956 e 1957 participou do lançamento oficial da Poesia Concreta na Iº Exposição Nacional de Arte Concreta, no MAM/SP e no saguão do MEC/RJ. Publicou, em 1958, o Plano-Piloto para Poesia Concreta, em co-autoria com Augusto de Campos e Haroldo de Campos, em Noigandres n.4. Nas décadas seguintes, traduziu várias obras em francês, inglês e russo. Foi um dos criadores da editora e da revista Invenção, lançada em 1962 como veículo da Poesia Concreta. Em 1964 lançou o Manifesto do Poema-Código ou Semiótico, com Luiz Angelo Pinto. Foi membro-fundador da Associação Internacional de Semiótica, em Paris (França), em 1969. Nas décadas de 1980 e 1990 colaborou em vários periódicos, entre os quais a Folha de S. Paulo, e foi professor de Semiótica e Comunicação da FAU/USP. Publicou vários livros de ensaios, entre eles Cultura Pós-Nacionalista (1998). Sua obra poética inclui os livros Carrossel (1950), Exercício Findo (1958), Poesia pois é Poesia (1977) e Poesia pois é Poesia, 1950/1975. Poetc, 1976/1986 (1986). Décio Pignatari, criador do poema-código e semiótico, é um dos principais nomes da poesia Concreta.
O Lobisomem
O amor é para mim um Iroquês
De cor amarela e feroz catadura
Que vem sempre a galope, montado
Numa égua chamada Tristeza.
Ai, Tristeza tem cascos de ferro
E as esporas de estranho metal
Cor de vinho, de sangue, e de morte,
Um metal parecido com ciúme.
(O Iroquês sabe há muito o caminho e o lugar
Onde estou à mercê:
É uma estrada asfaltada, tão solitária quanto escura,
Passando por entre uns arvoredos colossais
Que abrem lá em cima suas enormes bocas de silêncio e solidão).
Outro dia eu senti um ladrido
De concreto batendo nos cascos:
Era o meu Iroquês que chegava
No seu gesto de anti-Quixote.
Vinha grande, vestido de nada
Me empolgou corações e cabelos
Estreitou as artérias nas mãos
E arrancou minha pele sem sangue
E partiu encoberto com ela
Atirando-me os poros na cara.
E eu parti travestido de Dor,
Dor roubada da placa da rua
Ululando que o vento parasse
De açoitar minha pele de nervos.
Veio o frio com olhos de brasa
Jogou olhos em todo o meu corpo;
Encontrei uma moça na rua,
Implorei que me desse sua pele
E ela disse, chorando de mágua,
Que era mãe, tinha seios repletos
E a filhinha não gosta de nervos;
Encontrei um mendigo na rua
Moribundo de fome e de frio:
“Dá-me a pele, mendigo inocente,
Antes que Ela te venha buscar.”
Respondeu carregado por Ela:
“Me devolves no Juízo Final?”
Encontrei um cachorro na rua:
“Ó cachorro, me cedes tua pele?”
E ele, ingênuo, deixando a cadela
Arrancou a epiderme com sangue
Toda quente de pêlos malhados
E se foi para os campos da lua
Desvestido da própria nudez
Implorando a epiderme da lua.
Fui então fantasiado a travesti
Arrojado na escala do mundo
E não houve lugar para mim.
Não sou cão, não sou gente - sou Eu.
Iroquês, Iroquês, que fizeste?
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