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July 2008

ORFANATO PORTÁTIL - Marcelo Montenegro - UOL Blog

(via)
Neste meu ofício ou arte Neste meu ofício ou arte Soturna e exercida à noite Quando só a lua ulula E os amantes se deitaram Com suas dores em seus braços, Eu trabalho à luz que canta Não por glória ou pão, a pompa Ou o comércio de encantos Sobre os palcos de marfim Mas pelo mero salário Do seu coração mais raro. Não para o orgulhoso à parte Da lua ululante escrevo Nestas páginas de espuma Nem aos mortos como torres Com seus rouxinóis e salmos Mas para os amantes, braços Cingindo as dores do tempo, Que não pagam, louvam, nem Sabem do meu ofício ou arte.

April 2008

Decio Pignatari

Décio Pignatari (Jundiaí SP 1927) Publicou, em 1949, os poemas Noviciado e Unha e Carne na Revista Brasileira de Poesia. Na época, integrava o Clube de Poesia, em São Paulo SP, liderado por poetas e críticos da Geração de 45. Em 1952 fundou o Grupo Noigandres, com Augusto de Campos e Haroldo de Campos, que publicou cinco antologias poéticas. Entre 1956 e 1957 participou do lançamento oficial da Poesia Concreta na Iº Exposição Nacional de Arte Concreta, no MAM/SP e no saguão do MEC/RJ. Publicou, em 1958, o Plano-Piloto para Poesia Concreta, em co-autoria com Augusto de Campos e Haroldo de Campos, em Noigandres n.4. Nas décadas seguintes, traduziu várias obras em francês, inglês e russo. Foi um dos criadores da editora e da revista Invenção, lançada em 1962 como veículo da Poesia Concreta. Em 1964 lançou o Manifesto do Poema-Código ou Semiótico, com Luiz Angelo Pinto. Foi membro-fundador da Associação Internacional de Semiótica, em Paris (França), em 1969. Nas décadas de 1980 e 1990 colaborou em vários periódicos, entre os quais a Folha de S. Paulo, e foi professor de Semiótica e Comunicação da FAU/USP. Publicou vários livros de ensaios, entre eles Cultura Pós-Nacionalista (1998). Sua obra poética inclui os livros Carrossel (1950), Exercício Findo (1958), Poesia pois é Poesia (1977) e Poesia pois é Poesia, 1950/1975. Poetc, 1976/1986 (1986). Décio Pignatari, criador do poema-código e semiótico, é um dos principais nomes da poesia Concreta. O Lobisomem O amor é para mim um Iroquês De cor amarela e feroz catadura Que vem sempre a galope, montado Numa égua chamada Tristeza. Ai, Tristeza tem cascos de ferro E as esporas de estranho metal Cor de vinho, de sangue, e de morte, Um metal parecido com ciúme. (O Iroquês sabe há muito o caminho e o lugar Onde estou à mercê: É uma estrada asfaltada, tão solitária quanto escura, Passando por entre uns arvoredos colossais Que abrem lá em cima suas enormes bocas de silêncio e solidão). Outro dia eu senti um ladrido De concreto batendo nos cascos: Era o meu Iroquês que chegava No seu gesto de anti-Quixote. Vinha grande, vestido de nada Me empolgou corações e cabelos Estreitou as artérias nas mãos E arrancou minha pele sem sangue E partiu encoberto com ela Atirando-me os poros na cara. E eu parti travestido de Dor, Dor roubada da placa da rua Ululando que o vento parasse De açoitar minha pele de nervos. Veio o frio com olhos de brasa Jogou olhos em todo o meu corpo; Encontrei uma moça na rua, Implorei que me desse sua pele E ela disse, chorando de mágua, Que era mãe, tinha seios repletos E a filhinha não gosta de nervos; Encontrei um mendigo na rua Moribundo de fome e de frio: “Dá-me a pele, mendigo inocente, Antes que Ela te venha buscar.” Respondeu carregado por Ela: “Me devolves no Juízo Final?” Encontrei um cachorro na rua: “Ó cachorro, me cedes tua pele?” E ele, ingênuo, deixando a cadela Arrancou a epiderme com sangue Toda quente de pêlos malhados E se foi para os campos da lua Desvestido da própria nudez Implorando a epiderme da lua. Fui então fantasiado a travesti Arrojado na escala do mundo E não houve lugar para mim. Não sou cão, não sou gente - sou Eu. Iroquês, Iroquês, que fizeste?